por Cassiano Rodka
A eles
Acordes abafados de guitarra faziam a trilha do meu arrependimento.
A porta se abriu e a anfitriã nos recebeu simpática. Eu mal a conhecia e não ia com a cara dela, mas meus amigos me convenceram a vir. Não costumo frequentar festas com pessoas da minha idade, sempre preferi sair com gente mais velha. Mas lá estava eu cumprimentando a gurizada. Casa lotada, música animada, eu precisando de um drinque. Parei procurando o bar e meu olhar pousou em uma sacada. Eu olhei para ela e ele olhou para mim. Mas me fiz de louca e continuei conversando com o Mário como se não tivesse percebido ele chegando. De imediato, um nervosismo tomou conta de mim. Minha mente não se concentrava em mais nada do que o Mário dizia, meus pensamentos se dedicavam a montar uma cena onde eu via ele se aproximar de mim. Discretamente, meu olhar passou a cuidar os movimentos dele. Foi até o bar e peguei um Samba. Se vou ter que ficar a noite inteira nesta casa, é bom eu começar a beber. Voltei a olhar a moça na sacada. Via ela agora de perfil. E era um perfil hipnótico, nem sei quanto tempo fiquei delineando as curvas do rosto dela. As sílabas gritadas do meu nome interromperam o transe. Meus amigos me acenavam e fui com eles para perto da sacada. Reconheci o Mário e fui cumprimentá-lo, sem demonstrar muito interesse nela, como se eu não percebesse que ele estava louco para se apresentar a mim. Me olhou nos olhos – e que olhos ela tinha! – e pronunciou com orgulho o seu nome, como se aquele fosse o seu título. Ela disse-me o seu com uma delicadeza tímida que despiu suavemente o meu arrependimento. Aos poucos, nossos olhares foram se conhecendo, com aquela naturalidade que, de tão natural, estranha-se. Ela mencionou um curso onde vi ele pela primeira vez e o prendi na mente para só então libertá-lo. Torná-lo real. Vê-la comigo. Era tão certo. Era tão simples. Um breve silêncio na sacada foi logo cortado por uma música que nos convidou a dançar. Concedi a dança. Abracei ela. Ele me enlaçou nos braços. Ela me amarrou nos cílios. Eu era ele. Ela era eu. E, daquele momento em diante, éramos nós.