Despertar

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por Cassiano Rodka

Foi no tempo de um minuto que ele despertou. Percorreu a própria mente com uma lanterna, olhou cada canto à procura de si. Encontrou-se em pedaços, sem muita surpresa. Passou da proa à popa sem que os oficiais o vissem. Era como se ele sempre pudesse ter visto o que havia lá. Na verdade, era como se ele sempre soubesse. E lá estavam, separados em alguma ordem numérica, sustados de vida em grandes caixas de madeira. Por entre frestas, era possível enxergar os dias lá dentro. Em tantas delas, ele se via sentado, encarando luzes, digitando letras, esbravejando números, enquanto o sol lá fora cantava, acostumado à falta de atenção. Não quis negar que havia sol em seus dedos – e, de fato, havia – , mas sabia por certo que precisava daqueles minutos. Fechou os olhos e guardou aqueles momentos, ou pelo menos, o que valia ser guardado deles. Então, ao abri-los, não houve hesitação. Com o punho cerrado, soqueou um dos caixotes, derrubando parte da pilha, chutou um que estava mais no cantinho, beijou com os cotovelos mais dois, partiu a madeira com euforia, fez soar um quebra-quebra de dar inveja, libertou-se tantas vezes, viu-se correr para todos os lados, às vezes contente, às vezes com desespero, viu a luz entrar pelas paredes à sua volta, e percebeu então, em meio aos escombros dos tijolos, que havia mais no ar do que a fumaça dos cigarros e a buzina dos carros.
E, com um lápis, escreveu um livro.
Com um violão, fez uma canção.
E, com alegria, convidou o seu amor para passear
à luz do sol de seus dedos.

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