por Cassiano Rodka
Ninguém via aquilo como amor, além de Melissa.
Melissa havia se apaixonado. Mas não era uma paixão qualquer, não. Ela era devota e não passava um segundo sequer longe dele. Acordava pensando nele, passava o dia com ele e dormia com ele. Até sonhava com ele. O fato de os pais não aprovarem a relação só colaborava com o infindo desejo da menina. Aí sim, ela se sentia legitimamente apaixonada, pois batalhava pelo seu amor. Era como naqueles filmes com a Drew Barrymore em que ela se apaixona, passa por poucas e boas para conquistar o mocinho e, no fim, fica com ele. Felizes para sempre. Melissa gostava muito da Drew Barrymore e até tinha vários pôsteres dela pelo quarto. Mas isso foi antes. Antes dela conhecer o garoto da foto.
Melissa encontrou o garoto da foto em uma revista Capricho. Era o anúncio de uma bala que combatia o mau hálito. O menino estava sentado em uma poltrona branca com a boca e o nariz tapados enquanto uma garota falava com ele. Melissa riu alto. Leu e releu o slogan. Olhou e reolhou o garoto. E seguiu a folhear a revista. Mas o garoto da foto já havia se instalado em seus pensamentos. Sentado em uma poltrona branca alojada no cérebro da menina. E ela voltou à página. Sorriu para ele. E, apesar da mão na boca, ela sentiu que ele sorria de volta. Pronto. Estava apaixonada. Melissa não teve dúvidas. Recortou a foto do garoto (sem a menina do bafo, é claro!) e colou na parede. Depois correu para o super para comprar um saco de balas para o hálito.
Os pais começaram a estranhar que a menina dificilmente saía do quarto. E a ouviam constantemente falando sozinha. Perguntaram a ela se algo de ruim havia acontecido. Mas ela dizia estar mais feliz do que nunca. E, de fato, estava. Alguns dias depois, resolveu que era hora de apresentá-lo à família. Com a foto na mão, desceu as escadas e foi até os pais na poltrona. Declaração feita, silêncio instaurado. Não podia ser sério. Mas era. O pai não dizia nada. A mãe dizia tudo que lhe vinha à cabeça. E insistia: “Melissa, você está apaixonada por um pedaço de papel!”. Mas o que sabia ela? Tinha casado com o pai de Melissa e, esse sim, era só um pedaço de papel. Nunca estava em casa. A única indicação de que eram um casal eram assinaturas em um papel. Mas o amor de Melissa pelo garoto da foto era genuíno. E eles estavam sempre juntos.
Meses se seguiram e os pais, mais tranquilos, aguardavam que aquele absurdo chegasse ao fim. Havia de chegar, não era normal. Mas o apreço de Melissa pelo garoto da foto não parecia mudar. “Quando ela conhecer um menino de verdade que realmen…” – sim, era isso! A mãe de Melissa sorria. O pai assistia televisão.
“Melissaaaa!… Visita!”, anunciava a mãe. Melissa pediu desculpas ao garoto da foto e retirou-se do quarto em direção à porta. Ao pisar o último degrau, a menina avistou seu visitante parado sem graça na entrada da casa. Era o garoto da foto. Mas ele estava ali em carne e osso. Ele deu um “oi” meio sem jeito e Melissa não respondeu. Ficou cataléptica olhando para ele. Tinha algo errado, não podia ser ele. A maneira de se mexer, o sorriso que ela nunca havia visto, o nariz. O jeito desengonçado, o olhar de tonto. O cabelo estava diferente! Ao cair a primeira lágrima, Melissa deu as costas ao visitante e subiu correndo as escadas. Trancou o quarto e abraçou a foto com tanta força que até a amassou um pouquinho, coisa que nunca tinha acontecido antes. Depois olhou para o garoto da foto. E não era mais ele. Ela podia ver agora o sorriso por baixo do rosto, o formato do nariz, o jeito de se mexer. Melissa não teve opção. Cremou o garoto.
Passou seis dias de luto no quarto sem falar com ninguém, por mais que a mãe insistisse e o pai assistisse televisão. Chorou todos os dias, sem falhar um. Na sexta-feira em que ela choraria o sétimo, abriu o armário à procura de uma roupa preta especial para seguir sua consternação. Mas foi aí que encontrou ali no fundo, bem no fundo do armário, a sua coleção de revistas Capricho…
E Melissa sorriu.