
Em meio ao som contundente das britadeiras,
abaixo das buzinas histéricas dos carros,
rodeado dos gritos dos transeuntes,
o silêncio se achou o máximo.
Em meio ao som contundente das britadeiras,
abaixo das buzinas histéricas dos carros,
rodeado dos gritos dos transeuntes,
o silêncio se achou o máximo.
Era janeiro e, pela frente, o ano inteiro
Em fevereiro, meu coração cabreiro
Já é abril, e meu pé nem viu
O samba atrasou,
mas quando chegou…
presidente
c
a
i
u
.
Do conforto da escuridão, foi puxada para a claridade.
Ganhou essa missão ingrata de nascer primeiro.
Tateou, cheirou, lambeu, escutou e observou.
“Tá limpo, galera! Bora!”
Serviu de compasso para os irmãos.
Ora apontando pro Norte, ora pra Sorte.
Ora Lady Leste, ora Mae West.
Rainha do Sul com império no Sudeste.
Engatinhou, caminhou, correu.
E não parou.
Segue até hoje
na direção do amanhã.
Quando não há luz, escuridão.
Onde ela existe, Clarice.
Seria tão mais fácil fingir que nada aconteceu.
Soterrar a boneca no terreno fértil da memória,
deixar o balão seguir o caminho desgovernado do destino
e aceitar as escolhas do peixinho ao nadar em busca de si.
Mas o trauma é como água na terra.
Cria o barro.
E do barro, vem a perda do equilíbrio,
vem o desmoronamento de quem se é.
Todavia o barro também cria.
Cria objetos, cria arte, cria um lar.
Para esse barro, qual seria a sina?
Está nas mãos de uma menina.
Ai, que calor ele sente!
E que leveza na carteira de dinheiro
A ironia de estar distribuindo presente
Sem ter um para o seu descendente
Ai, que tristeza ele sente!
Suou frio durante o ano inteiro
Agora o suor é deveras quente
Natal assim, não há quem aguente!
Ai, que angústia ele sente!
Pobre Papai Noel brasileiro!
Se pelo menos caísse o presidente…
Aí sim, bola pra frente!
No teu olho, o reflexo de uma casca.
Não sou eu.
É um invólucro todo teu.
Uma imagem que reflete o que pensas de mim.
Não o que reflito eu.
Na tua mente, a silhueta de uma mentira.
Não sou eu.
É uma crosta toda tua.
Um contorno que revela tuas imagens de mim.
Não o que revelo eu.
No meu ser, sinto-me sempre despida.
Sim, sou eu.
É uma vida toda nua.
Mas teus olhos me veem e me cobrem
de cascas
de esperas
de despedidas.
Este texto foi escrito dentro do Desafio da Lagosta, que instigou a equipe do PáginaDois a produzir conteúdo partindo do inusitado tema “lagosta”.
Ela vem
Ela sempre vem
A caveira e a foice
Deixa ela vir
Mas vir com calma
Não apressa esse coice
Mas não
Ele foi lá e cuspiu
Abriu a porta e a trouxe
Não um, mais mil
A caveira e… foi-se
Pra você
que semeou a morte
– nossa alma incendeia
que abusou da sorte
– chave de cadeia
que abriu o nosso corte
– e fez cara feia
Fica aqui a minha lembrança:
Também morre quem semeia.
O texto e a ilustração acima foram inspirados na música “Nós Vai Tudo Morrer” do Lemoskine. Durante maio de 2021, a equipe do PáginaDois produziu textos, fotos e ilustrações inspirados em canções selecionadas por Cassiano Rodka. Confira as faixas escolhidas na playlist “P2 #4 | Desafio Musical” no Spotify.
ilustração: Cassiano Rodka
“Faça menos, doe-se menos”
Não! Faça mais, muito mais.
Deixa eles implorarem pelo cinza
E cubra-se inteiro de vermelho.
“Coma menos, beba menos”
Nah! Coma um cacho, beba um tacho.
Lambuze-se de entusiasmo
E deixa respingar no cara ao lado.
“Opine menos, envolva-se menos”
Ah, tá! Meu amigo, senta lá!
Minha língua serpenteia minhas escolhas
Perfurando a cera quadrada do teu ouvido.
“Exponha-se menos, ame menos”
Pff! Veja a nuvem carregada chegando…
Enquanto eles abrem o guarda-chuvas,
Escancara inteiro o teu coração.
ilustração: Cassiano Rodka
À Beatriz, minha mãe
Desperta ao som da minha manha
Disfarçando o peso do seu empenho
Desfaz o deserto por onde eu venho
Desenhando passos por entre as montanhas
Abençoa minha vida enquanto me banha
Asseando meus pés para um futuro ferrenho
Alimenta minha fome por leitura e desenho
Abrindo caminho para as minhas façanhas
Faz do carinho uma ação
Fabrica o suporte onde me encosto
Forja um ser em será
Traduz criança em criação
Traz forma a cada gesto que gosto
Transforma a manha em amanhã
ilustração: Cassiano Rodka
Rasga esse medo e deixa o coração bater.
Escuta a melodia do teu desejo e dança. Sente o bumbo do teu peito e cai no ritmo desse pulso. Impulsivo ou verdadeiro? Verde até ficar maduro. Me dá o controle, perde o teu por completo. Encaixa tua vontade na minha, vamos do quarto à cozinha. Te despe da incerteza, baixa essa calça, derruba as coisas da mesa.
Não perca tempo, perca-se nele.
Eu tô aqui e tu também. Só vem. Olha no olho, sente essa chama. Sem culpa, sem tralha, derruba essa muralha. Uma parede de desculpas não te mantém seguro, mas preso. Te liberta desse peso. Mente aberta, coração solto. Uma tarde, um vinho, não aguarde um carinho. Toma as rédeas dessa febre. Arde.
Sente a brisa e voa longe,
assume a forma de gaivota.
A vida passa como o vento, sem tempo pra arrependimento. Não perde a tua passagem. Embarca no trem e curte essa viagem. Vem comigo, chega junto. Se nosso destino é o mesmo, senta aí do meu lado e vamos. Dá a mão, pende a cabeça no meu ombro, sente o balançar do vagão. Deixa ser como será. Ou não saberás como seria.
Se a morte há de chegar um dia,
devolve à tua vida a poesia.