Jardim de estátuas

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Pouco importa o quanto tempo ficamos dentro da casa. Nosso destino ali era mesmo visitar o jardim.

Quando nos libertamos daquele espaço fechado, fomos surpreendidos por uma grande área aberta com diversas estátuas. Havia um círculo de esculturas em tamanho real, homens e mulheres acinzentados, com expressões faciais quase nulas, leves sorrisos nos rostos no que parecia ser uma grande festa. Eu nunca havia visto nada igual.

O jardim era imenso, tomado pelas mais diferentes figuras, todas com muitos detalhes, cada uma em uma posição diferente, um trabalho certamente de anos. As mãos delicadas seguravam taças, bandejas, cornucópias. Algumas figuras estavam nas pontas dos pés, como se estivessem flutuando, em êxtase. Haviam nos falado que era um lugar especial, mas não estávamos preparados para tanta beleza. Entramos em meio ao círculo, observando, estupefatos, a grandeza daquela construção. Uma das mulheres tinha sua cabeça pendendo no ombro de outra, um cansaço ébrio compartilhado. Um homem seminu bebia de um chifre com sua cabeça pendendo para trás para garantir que não sobrasse uma só gota.

A noite colaborava com o espetáculo. O céu exibia nuvens espiraladas, que pareciam ter sido moldadas especialmente para enquadrar as cenas compostas por aqueles seres inanimados. A festa a que eles pertenciam aparentava ser uma grande celebração, e nossas mentes trabalhavam em imaginar a que ou a quem ela era dedicada. Quanto mais andávamos por entre as estátuas, mais éramos tragados para dentro daquele universo. Era possível escutar os sons de suas risadas e o burburinho de várias vozes falando ao mesmo tempo. Aos poucos, fui percebendo a presença de alguns seres mitológicos misturados aos humanos, provavelmente a representação de deuses. Talvez a festa fosse para eles. Um ser metade homem, metade animal abraçava por trás uma mulher, segurando seu braço em direção a um cálice. Talvez a festa fosse regida por eles. Uma figura feminina com três olhos tinha seus dedos pousados nos ombros de uma mulher sentada com um bebê no colo. Ambas observavam silenciosamente a criança.

Sem dizer nada, minha irmã voltou-se para o caminho que nos devolveria à casa. Minha mãe pegou o meu braço e começamos a caminhar levemente, com um passo hesitante, dissipando com certa dificuldade o que havíamos contemplado naquele cenário.

Senti um movimento à minha esquerda. Outro logo em seguida, alguém correndo por trás de nós dois. Em um susto, vi com clareza um dos homens acinzentados passando apressado entre mim e minha mãe, nos separando por alguns instantes. Logo, várias estátuas ao meu redor botavam-se em disparada em uma mesma direção. Cada uma despertando no seu próprio tempo, mas todas com um desejo atribulado de sair dali. Repentinamente, uma multidão de figuras passava por nós sem grandes cerimônias, quase derrubando quem estivesse parado. O silêncio fora trocado pelo som de seus corpos se movimentando. Não se escutavam vozes, apenas movimento. Seus olhares e suas intenções continuavam incompreensíveis. Minha mãe estava um tanto assustada, mas ao mesmo tempo seus olhos brilhavam com um diletante fascínio.

Em meio ao tumulto, um estouro. Uma das esculturas havia tombado. Só então percebi que haviam diversas figuras descolando-se de algumas colunas que circundavam o jardim. Gárgulas tentavam alçar voo e despedaçavam-se aos nossos pés. O barulho tornava-se aterrador. Pedaços de pedra se acumulavam ao nosso redor, mas ninguém cessava sua deserção aflita. Não sei dizer por quanto tempo isso se deu, mas a sua interrupção pareceu tão repentina quanto o seu início.

Quando o silêncio tomou conta do jardim novamente, não havia sinal de nenhuma das estátuas. Em um mar de escombros, havia apenas minha mãe, minha irmã e eu. Abraçados, com expressões indecifráveis, em um semicírculo. Estáticos.

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