Um novo ano

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por Cassiano Rodka

Espero há quase duas horas.

Sentado em uma desconfortável cadeira, aguardo a vinda de uma enfermeira que parece a Bette Midler. Eu achei ela a cara da Bette Midler. A sala de espera parece ter uma mistura de pacientes, acompanhantes e crianças que não sabem bem o que estão fazendo ali. No ar, paira aquele clima tenso que parece ser uma regra em todos os hospitais.

Minha espera é coberta de angústia, talvez sem motivo, eu sei. Mas não gosto de hospitais. Sinto que as doenças estão à espreita nas sombras, aguardando minha distração para se jogarem na minha jugular. Me sinto disponível a todas elas, como se estivesse ali sentado esperando que uma me escolha.

O hospital tem um falso silêncio. Há vários barulhos ao meu redor, mas a gente se acostuma com todos e eles transformam-se em uma apreensiva trilha sonora. É uma maçaroca de vozes, choros, conversas, ruídos de aparelhos hospitalares e aquele tique-taque ameaçador do relógio…

Ouço a senhora ao meu lado comentar com uma jovem que já teve câncer duas vezes. A enfermeira que parece a Bette Midler surge na minha frente e eu me levanto. Opa! Ela sorri e diz que não é a minha vez ainda e leva, num semiabraço, uma velhinha com um andadouro.

Um jovem de boné e óculos escuros passa com uma receita na mão e (o que eu imagino que sejam) os seus remédios no bolso. Eles fazem um barulho de chocalho a cada passo, dando um ritmo fúnebre a sua caminhada. Não sei o que ele tem, mas a lenta marcha faz parecer que não seja nada bom. E eu continuo esperando.

Pode parecer bobagem, mas essa espera sempre me faz lembrar que estamos sempre aguardando pelo dia em que a nossa história acaba. Não acredito em ressurreição, portanto creio que quando tudo termina… Bem, termina de vez. Cada um de nós, da senhora com andadouro à criança que não sabe bem por que está ali, está em uma lenta caminhada em direção ao fim. Apocalíptico, eu? Talvez. Mas é verdade.

A enfermeira que parece a Bette Midler para na minha frente. Agora sim, é a minha vez. Eu a sigo, nervoso, numa marcha vagarosa parecida com a do cara de boné. Sinto um medo de sei-lá-o-quê, aquela incerteza do que vem pela frente. Escuto a maçaroca de sons, mais indefinida do que nunca. Com exceção do tique-taque do relógio…

“É aquela ali”, me diz a Bette Midler batendo a sua unha comprida contra uma janela de vidro.

E eu a vejo pela primeira vez.

Inquieta, mexendo as mãozinhas. Sua cabecinha pequenina tem pouquíssimos cabelos, os primeiros habitantes daquela carequinha lunar. O narizinho é tão minúsculo que mal aparece em seu rostinho. A boquinha, meio torta e babada, se movimenta como se já quisesse manifestar as suas primeiras ideias. Ela é linda. Não, sério! Ela é a coisa mais linda que eu já vi na vida. Eu olho incessantemente para ela e posso jurar que ela olha para mim.

E a minha vida recomeça.

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