por Cassiano Rodka
Eu sabia que não deveria ter saído de casa hoje.
Mas lá estou eu paradinha com cara de bunda na frente da padaria. Olhos arregalados, sorriso sem graça e um desejo irremediável de sumir. Na minha frente, você. Bonitão, mais magro e todo cordial. Era certo que em algum momento nos encontraríamos nesta porra de cidade. Mas tinha que ser hoje? Sem maquiagem, cabelo desgrenhado por causa da umidade, moletom de ficar em casa… Onde eu estava com a cabeça? A gente nunca sabe quem vai encontrar na rua. E, para provar isso, olha nós dois ali. Paradinhos. Você, todo lindão e simpático. Eu, uma mendiga monossilábica. Esta porra de cidade… Não dá para sair de casa sem encontrar alguém que já esqueceu de você. Eu realmente acredito que deveriam criar uma ilha para abrigar todos os ex-namorados do mundo. Nós aqui, eles do outro lado do mar. Mas lá está você, fingindo interesse no que estou fazendo. E eu gotejando “sims” e “nãos”, louca para entrar na padaria e enfiar a cara num quindim. E, como se não bastasse o brilho no olhar, percebo também algo cintilando no dedo anelar da mão esquerda. O Seu Vizinho de bambolê? Depois de seis meses de namoro? Filho da puta… Queria muito me convencer de que você não prestava mesmo, mas sei que não é verdade. Você é um cara legal. Só nos desconectamos em algum ponto do caminho. E parece que é hora de nos separarmos novamente, descruzar nossos olhares e liberar a entrada da padaria. O papo de 15 segundos pareceu ter meia hora. Não tenho ideia do que falei.
Mas logo o amor dobra a esquina.
E eu fico ali parada um tempo, sentindo a presença fantasmagórica do passado. Sim, você é um cara legal. Mas quer saber? Não pensava mais em você faz um bom tempo. Você estava guardadinho em um sótão na minha mente. Na minha cabeça, eu mantenho um álbum de fotos organizado com diversos instantes maravilhosos que passamos juntos. Mas, se eu for remexer nos negativos, tem muitas fotos não reveladas. É tão fácil recordar os bons momentos e dispô-los em um altar, varrendo os ruins para baixo do tapete… Ops! Uma velhinha esbarra em mim e percebo que continuo atrapalhando a saída das pessoas. Decido entrar na padaria para comprar um quindim. Esperando na fila, me percebo refletida no vidro do balcão. E eu gosto do que vejo. Sou eu. Sem maquiagem e sem você. Com meu cabelo desgrenhado e meu moletom de ficar em casa. E rio de mim mesma. Maloqueira e desbocada, sim. Sou eu, afinal. Foda-se. E, aos poucos, sinto a fumaça daquele encontro se dissipando, talvez proporcional à sua distância. E quanto mais você se afasta da padaria, menos eu me importo. Sim, você é um cara legal. Mas eu não sinto a sua falta. Eu realmente não quero estar com você. No momento, em frente ao balcão da padaria, eu só quero um quindim. Um quindim e sigo a minha vida. Quando chega a minha vez, a atendente sorri e diz: “Não tem quindim, moça”.
Esta porra de cidade…