por Cassiano Rodka
Ele andava apressado em direção à casa dos pais. Não que tivesse algum compromisso, apenas seguia o ritmo naturalmente inquieto da juventude. Caminhava olhando para o chão, listando em sua mente as músicas que gostaria de incluir no seu iPod para a viagem do fim-de-semana. Havia baixado tantas bandas novas que, como era de praxe, não encontrara tempo para escutar.
Ela andava ligeiramente distraída, repassando em sua cabeça se havia separado todos os cadernos que necessitava para aquele dia de escola. Estava um tanto incerta em relação à dissertação que havia escrito na correria – quem dera tivesse ficado em casa em vez de ter ido ao cinema com as amigas no domingo. Mas agora, também, era tarde…
Ele lembrou que nem havia começado a organizar a sua mochila – coisa mais chata separar roupas para viagem! Mas, ao menos, já sabia bem quais revistas em quadrinhos levaria. Não existiria um só dia de tédio desde que ele tivesse a companhia de seus super-heróis favoritos.
Ela começou a lembrar do filme de domingo e decidiu que, no fim das contas, teria valido a pena assisti-lo. Azar da dissertação! Era tão bom ver um final feliz. Ainda mais com o seu ator preferido como protagonista. E ele estava ótimo naquele papel, além de tudo.
Ele levantou os olhos do chão instintivamente, sentindo que alguém vinha em sua direção.
Ela não havia percebido a figura que se aproximava até ele aparecer em sua frente.
O mundo parou por um segundo.
E os olhos se abraçaram.
Ela sentiu um frio na barriga e seguiu firme o passo. A expressão de surpresa parecia ter congelado em seu rosto. Apertou seus cadernos mais fortemente ao peito, como quem se protege de sabe-se lá o quê. Queria virar para trás e ver se ele havia parado, mas aquele pensamento era uma loucura, quem faria isso?
Ele sentiu um calor no peito e pôs-se a andar um pouquinho mais devagar. Sem saber ao certo como reagir, deixou seus pés seguirem sua torturante rota em frente. Que diabos havia sido aquilo? Ele olhou para trás uma, duas, três vezes seguidas. Mas ela continuava a se afastar. Teria só ele sentido aquela conexão?
Ela nunca tinha passado por algo assim. Os cabelos soprados pelo vento pareciam tentar carregá-la de volta ao encontro. E ela gostaria tanto de conhecê-lo, mas… Que disparate!
Ele mal respirava. O rosto dela já lhe parecia familiar, mesmo que ele só tivesse aquela polaroide mental estatelada em sua mente. Seria possível que a história deles se resumisse àquele segundo?
Ela achava que jamais esqueceria aquela fisionomia, mas, mesmo enquanto saboreava aquele pensamento, a lembrança do menino já se apagava de sua memória como um desenho feito com giz sob a chuva.
Ele hesitava a cada passo, queria interromper aquela caminhada insensata, mudar a sua direção, mas aquilo era uma tolice, um delírio. Essas coisas não funcionam assim.
Ela sorria e começava a criar novas versões para o final daquele encontro. Tão românticas, tão impossíveis. Por que essas coisas não acontecem como nos filmes? Ah, se ela fosse a diretora daquela cena…
(E não era ela?)
Ele praguejava contra si mesmo por não ter feito algo. Mas o quê? Imagina se ele tivesse parado e falado com ela? Mas seria uma doideira inverter agora o seu rumo e sair correndo atrás dela. Ninguém faz isso! Se ao menos ele fosse um super-herói com o poder de parar o tempo.
(E não era ele?)
E ela dobrou a esquina de sempre em direção à escola.
E ele atravessou o velho semáforo até a casa dos pais.
E o mundo continuou o mesmo.