por Cassiano Rodka
É o que dizia no topo do documento. “Filho inválido”. Duas palavras que não se complementam nunca unidas pelo carimbo de um tabelião. Que validade era essa, meu Deus, que o governo tratava de negar ao meu pequeno afirmando sua irrevogável inexistência? E pensei logo no meu filho, sempre fiel, que nunca fez mal a ninguém. Pelo contrário, mal compreende as razões da maldade. Dorme e acorda ao meu lado, sempre alegre em estar ali comigo. Que vê valor nas coisas mais simples da vida. O único que de fato me olha sem me julgar. Vive em um mundo só seu, que é de longe mais justo que este onde algumas pessoas aparentemente não têm valor. Um homem feito, uma eterna criança. É o meu filho. E peço desculpas se ele é uma ferramenta social que vocês não descobriram como usar.
Mas não se preocupe, sr. Tabelião, que os “itens descritos abaixo” serão todos entregues no prazo. A certidão de nascimento válida com cópia autenticada. O passaporte válido também com cópia autenticada. O RG, o certificado de dispensa do exército, o título de eleitor, o comprovante de residência, todos válidos. E a foto 3×4 que não capta o sorriso do meu filho, pois aparentemente não há espaço para a felicidade em documentos oficiais do governo.
Junto a todos eles, entrego esta carta. Para que, quem saiba, você entenda, sr. Tabelião, você e os seus, que a única coisa que perdeu a validade foi a sua visão de humanidade.