O humor dos bichos

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por Cassiano Rodka

A gargalhada do garoto foi tão alta que o silêncio até corou. Enquanto o som de sua risada dissipava-se no vento, Davi percebeu algo realmente curioso: seu gato não ria.

O bichinho tinha acabado de escorregar do muro do pátio, mas havia habilmente se agarrado no guidão da bicicleta de seu dono, dado um giro de 360º e pousado elegantemente no chão. Um espetáculo de precisão e humor ovacionado pelas gargalhadas do menino. Mas, diferente de Davi, Haroldo não parecia achar a menor graça. Olhava seriamente o menino, atraído pelo som alto de seu riso. Depois começou a lamber suas patas, dando início a um longo banho felino que só seria interrompido vez ou outra por algum ruído que ele parava atentamente para escutar por alguns segundos. Com os olhinhos curiosos da infância, Davi acompanhava os movimentos do gato, mas o que não saía de seu pensamento era aquela nova descoberta: Haroldo não tinha humor.

Intrigado, o garoto foi procurar nas gavetas de sua memória algum momento – breve que fosse! – em que seu animal de estimação tivesse esboçado algum sorriso. O dia em que o viu pela primeira vez – saltitante que só ele! – no centro de adoção, a noite em que eles passaram quase em claro perseguindo Guido, o ratinho de borracha, as diversas tardes de pega-pega no quintal… Eram momentos em que Davi se recordava de longas risadas. Mas as risadas eram suas, não de Haroldo. O fato chegava a incomodar um pouco o menino. Como Haroldo podia ficar tão sério o tempo todo? Ainda mais em sua companhia! Mas não. Nada. Nem uma risadinha. O que havia de errado com o seu gato? Por que ele não era como os outros animais que sempre se…

“Peraí!”…

E aí seu pensamento foi ainda mais longe. Lembrou de seu peixe Artur, do cachorro do vizinho, da tartaruga Ronalda e até dos animais do zoológico. E ficou pasmo. “Os bichos não tem humor”, concluiu abismado. Mesmo o macaco, por mais brincalhão que ele fosse, não ria. Mas qual seria o desmedido motivo que conseguia deixar o reino animal inteiro tão sério? Havia alguma coisa que os preocupava, Davi estava certo. Eles deviam saber de algo que os humanos não conseguiam perceber. No fundo, eles são mais espertos que a gente…

Davi voltou a encarar o gato, agora parado quase estático com os olhos arregalados e orelhas atentas. Haroldo desviava os olhos do menino com falsa distração. Davi tentava ler o que se passava na cabecinha do bichano. Haroldo voltava a olhar seriamente o garoto. Por que estava tão sério? O que estava pensando? Haroldo estava preocupado. Seria Davi o primeiro humano a descobrir o que estava realmente se passando?…

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