por Cassiano Rodka
Na ponta da caneta, pende uma dúvida.
Paro a cada frase, leio com teus lábios. Temo que o texto paire no ar diante dos teus olhos. Que não atravesse a peneira azul-clara e não atinja as partes certas do cerebelo. Quero dobrar teu equilíbrio. Te deixar na corda bamba por uns instantes e te dar a mão logo ao fim da frase. Quero que as palavras te provoquem coceiras no queixo, seguidas de um esclarecimento reconfortante. Mas temo a peneira azul-claro. E a entonação errada de cada linha. Teus lábios, quando leem, nem sempre correspondem ao movimento da minha escrita.
Carta no cesto.
Me foge a coragem e eu ignoro a vida. Saio pra rua e deixo o saco de lixo na entrada do prédio. A cada passo, me afasto do meu pensamento amassado, esquecido dentro de um saco plástico. E pende a dúvida. E surge a esperança. A possibilidade insana – porém real – de um lixeiro que desamassa o texto, limpa as palavras e, romântico e sujo, assume o papel de carteiro.