por Cassiano Rodka
Me agrada o invertido.
De pernas pro ar, virado ao avesso, do lado errado. A estante arrumada me fere os olhos. Prefiro as lacunas de livros emprestados, perdidos, fora do lugar. (Qual o lugar do livro?) Gosto das frases frouxas, ditas sem jeito. Dos tropeços das línguas dos enamorados. (Os apaixonados são todos gagos.) O som de um acorde dissonante. Uma nota errada no piano. (A nota nunca é errada, errado é o pianista.) O embaraço de quem esquece a letra no palco. Mas enrola e reinventa a canção. (Improviso é um erro metido a besta.) A criança que (sabiamente) desenha uma árvore azul e um céu verde. (Daltonismo opcional.)
Gosto de entortar as coisas, deformá-las, vê-las refeitas. Me incomoda o uniforme. (Quatro casais em uma mesa quadrada.) Me agrada o inusitado. (Cinco texugos em uma mesa redonda.) Faz bem fugir às regras de vez em quando. Só é lei porque alguém obedece. (Bula de remédio declamada é poema.) Gosto das cicatrizes, dos cortes, dos arranhões na borda da mesa. (Resultados imperfeitos de ações mal calculadas.) A camiseta manchada, o bolso furado, o botão faltando. (Pequenas lembranças da existência do inesperado.) Definição perfeita da imperfeição humana. O paralelepípedo solto na calçada, o texto inacabad