por Cassiano Rodka
“Un point précis sous le tropique
Du Capricorne ou du Cancer
Depuis j’ai oublié lequel
Sous le soleil exactement
Pas à côté, pas n’importe où
Sous le soleil, sous le soleil
Exactement, juste en dessous”
Serge Gainsbourg
Ele acordou com o som de um estouro. Era um som distante que o despertou de leve. Meio cansado ainda, olhou pelas frestas da janela como se procurasse explicação através daqueles pequenos orifícios retangulares. Fechou os olhos, incerto de seu sono e ouviu outro estrondo. Desta vez, parecia mais próximo, e havia uma certeza: era mesmo uma bomba. Com seus sonhos sustados pelos primeiros acordes da guerra, sua única opção era levantar-se. Calçou seus chinelos e dirigiu-se calmamente até a cozinha, arrastando-se como se quisesse distanciar-se de sua própria vontade. No corredor, outra explosão. Abafado pelas paredes de sua casa, o som surdo emudecia. Era um pouco como um abrigo, um pouco como uma prisão. Pensou por uns minutos se havia algo que podia fazer. Sempre acostumado à mesma rotina (acordar, calçar os chinelos, ir até a cozinha, tomar um café preto bem forte…), o que poderia ele fazer? As bombas não faziam parte daquela rotina, elas não deveriam estar lá, estourando surdas como uma trilha sonora para o caminho do corredor até a cozinha. Não podia fazer nada. Não havia como parar aquele som, e elas continuavam a explodir em diferentes tons, cada vez mais como uma música. Chegou a dar um leve sorriso ao perceber uma reprodução quase perfeita da marselhesa. Uma caprichada ironia das bombas musicais, cantando na língua materna de seu inimigo enquanto destruíam as casas da região. Não, não havia nada a ser feito. Mal sabia ele se ainda queria realmente parar aquela sinfonia. Eram bombas tão talentosas, mal acreditava estarem vindo do inimigo, daquela terra tão pouco musical. Talvez fosse na entrada das bombas em nosso solo que acontecesse essa transformação. Deixavam as suas origens e tornavam-se tão talentosas quanto nossas cantoras. E assim que pensou nelas, pôde ouvir um pot-pourri de canções de Edith Piaf, Françoise Hardy, Bigitte Bardot e France Gall. Seu sorriso agora tornava-se imenso. Que beleza de música havia no ar! Começava a se perguntar por que aquele ataque não havia acontecido nas outras vezes em que foi do quarto até a cozinha. Nunca havia beleza em seu corredor. Mas agora elas cantavam, cada vez mais próximas, explodindo casas, destruindo sua rotina, entoando sua canção preferida de Serge Gainsbourg, com o volume aumentando, as lágrimas caindo de seus olhos em direção a seu sorriso, cada vez mais largo, aquela homenagem das bombas a ele, sua voz cantando junto, e explodindo de vez em um último acorde de um dueto de guerra.